Desistência de Consórcio

Contrato de Consórcio Possibilidade de Desistência e Devolução de Valores Pagos

O Consórcio representa uma ótima opção aos consumidores para aquisição de bens, mas como todo contrato tem suas vantagens e desvantagens.
A grande indagação a respeito desse negócio jurídico é quanto a possibilidade de desistência do contrato pelo consorciado e as suas consequências jurídicas. 

Segundo estabelecem os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.795/08 o consórcio se constitui de “reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, em igualdade de tratamento, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.

A organização do grupo fica a cargo da empresa administradora de consórcio a quem cabe a administração, a arrecadação das parcelas junto aos consorciados e os sorteios do consórcio visando atender o intuito dos participantes do grupo, tendo a remuneração de suas atividades decorrentes da cobrança de taxas de adesão (entrada) e de administração mensal, além de seguro e contribuição para o fundo de reserva, cobrados dos consumidores contraentes.

Assim como qualquer contrato o consórcio também é passível de desistência de algum de seus participantes. 

 

Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao Contrato de Consórcio

As administradoras de consórcio são instituições financeiras pois suas atividades envolvem a gestão de recursos de terceiros e, assim como bancos e financeiras podem colocar o Sistema Financeiro Nacional em risco, e por isso são reguladas pela Lei nº 7.492/86, e têm suas atividades, seus contratos e usuários regidos pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC, Lei nº 8.078/90.

 

Esse é o posicionamento do Colendo STF:

COMPETÊNCIA - CONSÓRCIOS - LEI Nº 7.492/86. A gestão temerária dos recursos dos consorciados alcança o próprio sistema financeiro, em termos de credibilidade, no que, segundo o inciso I do artigo 1º da Lei nº 7.492/86, as empresas do ramo são equiparadas às financeiras (STF, 1ª Turma, HC 113.631/SP, Relator Min. MARCO AURÉLIO, DJe-091 de 16/05/13).

Neste mesmo sentido: STF, 1ª Turma, RO em HC nº 84.182/SC, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 04/03/05; 2ª Turma, HC 84.111/RS, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJ 20/08/04; 1ª Turma, HC 83.729/SC, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 23/04/04 e RE 435.192/RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Decisão Monocrática, DJE nº 208, divulgado em 22/10/12.

Dessa forma as administradoras de consórcio são consideradas fornecedoras de serviço (art. 3º, § 2º e art. 53 §2º do CDC) e os consorciados consumidores (art. 2º do CDC).

Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§2°. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifos acrescidos)

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

(...)

§2º. Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.(destaques nossos)

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Da mesma forma o posicionamento do C. STJ corrobora esse entendimento:

1. Nos contratos de consórcio para compra de bem imóvel, a relação entre a consorciada e a administradora configura relação de consumo (STJ, 3ª Turma, REsp 595.964/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 04/04/05).

Neste diapasão: STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1.070.671/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 10/05/10; STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 253.175/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJ 30/10/00 e 2ª Seção, CC 18.589/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 24/05/99.

Da Possibilidade de Desistência e do Momento de Devolução dos Valores Pagos

O contrato de consórcio é de adesão, o que significa que suas cláusulas são inegociáveis no momento de sua assinatura, ou seja, ou interessado assina o documento da forma e no teor que lhe é apresentado pela administradora ou não é admitido no grupo do consórcio.

Assim o contrato de consórcio é regido pelo princípio denominado pacta sunt servanda que significa que o contrato e suas cláusulas vinculam as partes contratantes.

Entretanto, esse princípio, em decorrência da submissão dos contratos de consórcio e suas partes estarem regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, fica suavizado pela aplicação do princípio da boa fé contratual e da função social do contrato.

Dessa forma, as cláusulas do contrato de consórcio não podem trazer demasiado prejuízo ao contratante menos favorecido financeiramente, qual seja o consumidor.

Portanto, por ser o contrato de consórcio de adesão e de consumo, dentre as possibilidades de flexibilidade de suas cláusulas se encontra a de desistência de consorciado, restando necessário estabelecer as regras quanto a possibilidade de devolução dos valores alcançados pelo desistente relativamente a quantidade e momento.

Certo que o consorciado desistente não pode perder a totalidade do que alcançou para a participação no consórcio, uma vez desistindo de participar, deve-se estabelecer o valor a ser devolvido e o momento da devolução.

Uma vez que o Código de Defesa do Consumidor rege os contratos de consórcio é proibida a quebra de equivalência contratual e serão abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em ‘desvantagem exagerada’, e, portanto, a devolução das prestações deve ser imediata, sob pena de impor ao consumidor uma longa e injusta espera, mais ainda por ser o valor despendido fruto de economia destinada a aquisição de bem durável, em muitos casos bem imóvel.

Quanto ao momento da devolução se observa na jurisprudência um amadurecimento do entendimento em prol do consumidor, levando em conta a modificação da legislação aplicação para determinar que sejam devolvidos os valores pagos pelo desistente de imediato nos contratos celebrados a partir de 06/02/09, data de entrada em vigor da Lei n.º 11.795/08 (Lei dos Consórcios).

Para os contratos de consórcio celebrados antes da vigência da Lei nº 11.795/08, o entendimento é que somente seja devolvida a quantia paga pelo consorciado desistente em até trinta dias contados do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo correspondente.

A imposição de tal regra se torna extremamente danosa pois obriga o consorciado a receber de volta os valores pagos somente quando ocorrer o fechamento do grupo, não obstante ele tenha adiantado o valor o que dependendo do valor negociado significa vários anos de espera.

Deve-se considerar que a desistência constitui faculdade do contratante, o ressarcimento deve ocorrer tão logo o requereu, pelos valores despendidos, reduzidos a um montante justo (excluídas as taxas de adesão e de administração), de modo a não causar prejuízo aos demais participantes do grupo, nem propiciar o enriquecimento sem causa de quaisquer deles.

Por outro lado, a saída do demandante não acarreta consequências prejudiciais aos demais consorciados, pois, se por um lado o afastamento dele provoca uma diminuição de ingresso de capital no grupo, por outro, fica reduzido o encargo do grupo, que terá um bem a menos a entregar, sendo de se considerar, ainda, a possibilidade de substituição do retirante, por outro interessado pela venda das cotas do desistente.

De outra forma o art. 51, inciso IV e seu §1º, inciso III, do CDC, estabelece que são consideradas nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, bem como se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor, considerando-se a natureza conteúdo, do contrato e o interesse das partes.

A espera de devolução somente trinta dias após o fechamento do consórcio afronta o que dispõe o referido art. 51 do CDC, que estabelece regra geral proibitória da utilização de cláusula abusiva nos contratos de consumo, pois, embora o consumidor deva arcar com os prejuízos que trouxer ao grupo de consorciados, conforme §2º do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, mantê-lo privado de receber os valores vertidos até o final do grupo ou até sua contemplação é absolutamente antijurídico e ofende o princípio da boa-fé, que deve prevalecer em qualquer relação contratual.

Por todos esses motivos, deve ser adotada a mesma solução aplicada pelo Colendo STJ quando trata de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel à prazo, quando concede ao consumidor desistente o direito de receber as parcelas pagas imediatamente, e não ao final da obra, exatamente porque o bem poderá ser revendido à terceiro, tal como ocorre com o grupo consorcial na prática, conforme arestos recentes:

1. Revela-se abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos, além do que a conclusão da obra atrasada, por óbvio, pode não ocorrer (STJ, AgRg no REsp 1238007/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 01/02/2012)

Afinal, a natureza jurídica da promessa de compra e venda de empreendimento imobiliário e do consórcio são idênticas, pois ambos visam a reunião de pessoas interessadas que passarão a contribuir mensalmente para um fim comum, isto é, para a obtenção de um bem futuro e que faz parte inicialmente de um “condomínio patrimonial” (grupo), assim não cabe serem adotados posicionamentos conflitantes e totalmente divergentes para dirimir casos a ajustes tão semelhantes.

Por todos esses argumentos, devem ser restituídos ao desistente, imediatamente, os valores pagos descontados possíveis valores de taxa de administração, com a incidência dos Juros de mora em caso de ação judicial a partir da citação e a Correção monetária desde o desembolso de cada prestação mensal, considerando-se que a devolução é imediata.